QUANDO A DENÚNCIA VIRA VIOLÊNCIA
Dom José Luiz Ascona contra a prostituição infantil no Marajó
Diário do Pará
09-Feb-2009
Seis horas de uma quinta-feira chuvosa no município de Soure, no Marajó. Na principal igreja do município, o bispo Dom Luiz Azcona mantém os olhos fixos numa imagem de Jesus Cristo que fica atrás do altar da igreja. Atrás dele, espalhados nos bancos da capela, estão menos de dez fiéis. Dom Azcona abre uma Bíblia e lê em silêncio durante vários minutos. Depois levanta e vai se preparar para mais uma celebração. Às 6h30, início da cerimônia, já são quase 30 fiéis. Até o final da missa, passarão de 50. É uma celebração normal, a não ser quando chega o momento do sermão de Dom Azcona. Aproveitando que o dia em questão era o dia de Santa Agda, que teria morrido virgem em nome da fé, Dom Luiz Azcona inicia uma pregação virulenta contra a exploração sexual de menores no Marajó.
“As nossas meninas e meninos estão sendo criados como animais de estimação que podem ser comprados e vendidos. Essa é uma realidade totalmente contrária ao que nos ensina Jesus. Quando uma sociedade como a do Pará não tem forças para defender suas crianças e adolescentes, então essa é uma sociedade que não merece viver. Merece morrer, porque não tem mais futuro. Quando uma sociedade fica de braços cruzados na compra e venda de seres humanos, o posicionamento desse grupo faz com que ele deixe de ser humano e se torne menos que animais”.
Ao longo da pregação, Dom Azcona se refere pelo menos três vezes à CPI da Pedofilia que está em andamento em Belém. CPI instalada após uma série de denúncias do bispo sobre essa prática nas comunidades ribeirinhas do Marajó e que vem ganhando, aos poucos, contornos que mostram o envolvimento de pessoas influentes e poderosas no Estado. Segundo o deputado Arnaldo Jordy, relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, mais de mil denúncias já foram feitas. Mesmo que parte delas possa não ser verdadeira, ainda assim é um número expressivo.
Por conta das denúncias, Dom Azcona foi ameaçado de morte. Mudou pouco sua rotina pessoal. Embora não abra mais a igreja todos os dias às 5h, como fazia antes, não deixa de rezar diariamente a missa e nem de atender aos que lhe procuram logo depois da celebração. São pedidos de ajuda espiritual e financeira. Gente que pede apoio e dinheiro.
O bispo também não se furta de ir sempre que pode aos nove municípios do Marajó cujas paróquias estão sob sua responsabilidade. “Depois de meu depoimento à CPI não recebi mais ameaças, mas elas começaram em 2007, quando começamos a trabalhar na detecção da presença do tráfico humano do Marajó para as Guianas. O primeiro alerta me foi dado por um membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados, em Brasília. Segundo ele, eu havia passado a fazer parte de uma lista de marcados para morrer”, diz o bispo. Logo depois, Dom Azcona teve a confirmação de que integrava mesmo uma lista de marcados para morrer, junto a mais 15 pessoas. E no dia 9 de dezembro de 2007 a mesma pessoa que lhe alertara sobre as ameaças morreu num misterioso acidente de carro. “Foi esmagado por um caminhão. Disseram que foi um acidente, mas eu tenho certeza de que ele foi assassinado”, acredita.
Se não mudou os hábitos, a possibilidade de ser mais uma vítima mudou sua filosofia de vida. “Não há um dia sequer em que não penso na morte. Esse é um pensamento que se tornou constante. Ao pegar o barco para Breves penso que seria um local fácil para me matarem. Quando estou no interior crismando, dentro daquelas matas e nos rios pequenos, imagino que uma voadeira seria fácil de me alcançar e me eliminar. Penso na morte, mas não estou ansioso ou com medo. É um pensamento que até me enche de satisfação, porque se morrer será pelo Evangelho e isso é uma graça divina”.
Esse é um dos motivos para que recuse proteção pessoal. Dom Azcona não acredita que ela seja realmente eficaz. E também não quer ter sempre uma sombra perto de si. No ano passado foi a Aparecida do Norte para um encontro e sem que soubesse puseram dois homens para cuidar da segurança dele. Estranhou.
Dom Azcona também não consegue se imaginar na pele de Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu, que tem sempre um segurança por perto. “O que peço sempre é que Deus não me acovarde, que não me faça voltar atrás. Mas peço também que ele não me faça sentir um super-homem, um herói, mas sim me faça sentir como um cristão que está defendendo a palavra divina”.
Abra o olho: sua filha pode estar no esquema
Há poucas semanas, um homem morreu num acidente de moto em Soure. Seria apenas um acidente fatal, mas por trás dele revela-se um pouco da situação de exploração sexual de adolescentes no município. O homem, casado, estava levando uma garota de 14 anos para a praia do Pesqueiro, para consumar o programa fechado minutos antes. É uma prática comum em Soure e em outros municípios do Marajó, embora às vezes não seja tão explícita assim. À noite, nas ruas pouco movimentadas e escuras de Soure, há um crescente comércio de sexo com menores.
“Elas são agenciadas por um grupo de homossexuais que ficam em duas esquinas das ruas principais daqui de Soure”, diz uma comerciante que separou do marido depois de ter descoberto que ele continuamente fazia uso dos serviços sexuais de garotas de programa de Soure.
O bispo Dom Azcona diz que alguns meses atrás um rapaz foi flagrado em Soure com fotos de menores que seriam prostituídas para turistas estrangeiros. “Também não é incomum que barquinhos levem meninas para hotéis e pousadas para satisfazer aos estrangeiros hospedados”, diz Dom Azcona. Em Salvaterra, há boates e dancings que aceitam a entrada de adolescentes e os programas são agendados e feitos por lá mesmo. Mas também há locais mais escondidos e freqüentados por poucos onde a prostituição é comum. “Gente poderosa está por trás disso”, acusa o bispo.
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