quinta-feira, 5 de maio de 2011
LEITURA PARA O VESTIBULAR UFPA 2012
PRANTO DE MARIA PARDA (Completo)
e numa coluna à direita o espaço para uma recri/e/ação na medida em que surgir a inspiração ou a oportunidade e/ou o desafio para outros tentarem...
(in OBRAS de GIL VICENTE com revisão e notas de Mendes dos Remédios, Tomo I de III, França Amado Editor, Coimbra, 1907, pp. 384-393).
por que vio as ruas de Lisboa com tão poucos ramos nas tavernas e o vinho tão caro, e ella não podia viver sem elle.
(Quase não terá nada a ver com o Auto da Visitação, ou com o Natal, ao não ser quando se refere "Na manhã que Deus nasceu / À hora do nascimento" quando se refere à Rua da Ferraria, mas decidi incluí-lo nesta série pelo aspecto coloquial que, embora nos faltem muitos dados da época, se refere, com certeza, a locais ruas e "tascos" de todos conhecidos, além da referência a uma quantidade de localidades de diversos pontos do país, mais conhecidos pela sua maior ou menor "devoção" à bebida... A coluna da direita fic como desafio a um levantamento de expressões populares (actualizadas?) e a um possível levantamento das "novas" tascas e regiões vinícolas... com possível referência à variedade de mixórdias inventadas desde a famosa e imbatível CocaCola!!! Enfim, uma revista à Portuguesa - "uma Comédia Humana de cenário português" como dizia o Mestre Vitotino Nemésio...
Texto citado da Obra de Gil Vicente Tentativa de "tradução" - adaptação...
Eu so quero prantear
Este mal que a muitos toca;
Que estou já como minhoca
Que puzerão a seccar.
Triste desaventurada
Que tão alta está a canada
Pera mi como as estrellas;
Oh coitadas das guelas!
Oh guelas da coitadas)
Triste desdentada escura,
Quem me trouxe a taes mazelas!
Oh gengivas e arnellas,
Deitae babas de seccura;
Carpi-vos, beiços coitados,
Que já lá vão meus toucados,
E a cinta e a fraldilha ;
Hontem bebi a mantilha,
Que me custou dous cruzados.
Oh Rua de San Gião,
Assi ‘stás da sorte mesma
Como altares de quaresma
E as malvas no verão.
Quem levou teus trinta ramos
E o meu mana bebamos,
Isto a cada bocadinho?
Ó vinho mano, meu vinho,
Que ma ora te gastamos.
O’ travéssa zanguizarra
De Mata-porcos escura,
Como estás de ma ventura,
Sem ramos de barra a barra.
Porque tens já tantos dias
As tuas pipas vazias,
Os toneis postos em pé?
Ou te tornaste Guiné
Ou o barco das enguias.
Triste quem não cega em ver
Nas carnicerias velhas
Muitas sardinhas nas grelhas ;
Mas o demo já de beber.
E agora que estão erguidas
As coitadas doloridas
Das pipas limpas da borra;
Achegou-lhe a paz com porra
De crecerem as medidas.
O’ Rua da Ferraria,
Onde as portas erão mayas,
Como estás cheia de guaias,
Com tanta louça vazia!
Já m’a mim accoteo
Na manhan-que Deos naceo,
A’ hora do nacimento,
Beber alli hum de cento,
Que nunca mais pareceo.
Rua de Cata-que-farás,
Que farei e que farás!
Quando vos vi taes, chorei,
E tornei-me por detras.
Que foi do vosso bom vinho,
E tanto ramo de pinho,
Laranja, papel e cana,
Onde bebemos Joanna
E eu cento e hum cinguinho.
O’ tavernas da Ribeira,
Não vos verá a vós ninguem
Mosquitos, o verão que vem,
Porque sereis areeira.
Triste que sera de mi!
Que ma ora vos eu vi!
Que ma ora me vós Vistes!
Que ma ora me paristes,
Mãe da filha do ruim!
Quem vio nunca toda Alfama
Com quatro ramos cagados,
Os tornos todos quebrados!
O’ bicos de minha mama!
Bem alli ó Sancto Esprito
Ia eu sempre dar no fito
N'hum vinho claro rosete.
Oh meu bem doce palhete,
Quem pudera dar hum grito!
O' triste Rua dos Fornos,
Que foi da vossa verdura!
Agora rua d'amargura
Vos fez a paixão dos tornos.
Quando eu, rua, per vós vou,
Todolos traques que dou
São suspiros de saudade;
Pera vós ventosidade
Naci toda como estou.
Fui-me ó Poço do chão,
Fui-me á praça dos canos;
Carpi-vos, manas e manos,
Que a dezaseis o dão.
O' velhas amarguradas,
Que antre três sete canadas
Sohiamos de beber,
Agora, tristes! remoer
Sete raivas apertadas.
Ó rua da Mouraria,
Quem vos fez matar a sêde
Pela lei de Mafamede
Com a triste d'agua fria?
O' bebedores irmãos,
Que nos presta ser christãos,
Pois nos Deus tirou o vinho?
O' anno triste cainho,
Porque nos fazes pagãos?
Os braços trago cansados
De carpir estas queixadas,
As orelhas engelhadas
De me ouvir tantos brados.
Quero-m'ir ás taverneiras,
Taverneiros, medideiras
Que me dem hua canada,
Sôbre meu rosto fiada,
A pagar lá polas eiras.
Pede fiado á Biscaïnha.
0’ Senhora , Biscaïnha,
Fiae-me canada e meia,
Ou me dae hua candeia,
Que se vai esta alma minha.
Acudi-me dolorida,
Que trago a madre cahida,
E çarra-se-me o gorgomilo:
Emquanto posso engoli-lo,
Soocorei-me minha vida.
Biscaïnha.
Não dou eu vinho fiado,
Ide vós embora, amiga.
Quereis ora que vos diga?
Não tendes isso aviado.
Dizem lá que não he tempo
De pousar o cu ao vento.
Sangrade-vos, Maria Parda;
Agora tem vez a Guarda
E a raia no avento.
A João Cavalleiro, Castilhano.
Devoto João Cavalleiro,
Que pareceis Isaïas,
Dae-me de beber tres dias,
E far-vos-hei meu herdeiro.
Não tenho filhas nem filhos,
Senão canadas e quartilhos;
Tenho enxoval de guarda,
Se herdardes Maria Parda,
Sereis fóra d'empecilhos.
João Cavalleiro.
Amiga, dicen por villa
Un ejemplo de Pelayo,
Que una cosa piensa el bayo
Y otra quien lo ensilla.
Pagad, si quereis beber;
Porque debeis de saber
Que quien su yegua mal pea,
Aunque nunca mas la vea,
Él se la quiso perder.
Vai-se a Branca Leda.
Branca mana, que fazedes?
Meu amor, Deos vos ajude ;
Que estou no ataude,
Se me vós não accorredes.
Fiade-me ora tres meias,
Que ando por casas alheias
Com esta sêde tão viva,
Que ja não acho cativa
Gota de sangue nas veias.
Branca Leda
0lhade, mulher de bem,
Dizem qu'em tempo de figos
Não ha hi nenhuns amigos,
Nem os busque então ninguém,
E diz o exemplo dioso,
Que bem passa de guloso
O que come o que não tem.
Muita agua ha em Boratem
E no poço do tinhoso.
Vai-se a João do Lumiar.
Senhor João do Lumiar,
Lume da minha cegueira,
Esta era a verde pereira
Em que vos eu via estar.
Fiae-me hum gentar de vinho,
E pagar-vos-hei em linho,
Que ja minha lan não presta:
Tenho mandada hua besta
Por elle a antre Douro e Minho.
João do Lumiar.
Exemplo de mulher honrada,
Que nos ninhos d'ora a hum anno
Não ha passaros oganno.
I-vos, que sois aviada.
Emquanto isto assi dura,
Matae coan agua a seccura,
Ou ide a outremm enganar,
Que eu não me hei-de fiar
De mula com matadura.
Indo para casa de Martim Alho, vai dizendo:
Amara aqui hei d'estalar
Nesta manta emburilhada:
Oh Maria Parda coitada,
Que não tens ja que mijar!
Eu não sei que mal foi este,
Peor sem vezes que a peste,
Que quando era o trão e o tramo,
Andava eu de ramo em ramo
Não quero deste, mas deste.
Diz a Martim Alho.
Martim Alho, amigo meu,
Martim Alho meu amigo,
Tão secco trago o embigo
Como nariz de Judeu.
De sêde não sei que faça;
Ou fiado ou de graça,
Mano, soccorrede-me ora,
Que trago ja os olhos fóra
Como rala da negaça.
Martim Alho.
Diz hum verso acostumado:
Quem quer fogo busque a lenha;
E mais seu dono d'acenha
Appella de dar fiado.
Vós quereis, dona, folgar,
E mandais-ane a mim fiar?
Pois diz outro exemplo antigo,
Quem quizer comer comigo
Traga em que se assentar.
Vai-se á Falula.
Amor meu, mana Falula,
Minha gloria e meu deleite,
Emprestae-mne do azeite,
Que se me sécca a matula.
Até que haja dinheiro,
Fiae, que pouco requeiro,
Duas canadas bem puras,
Por não ficar ás escuras.
Que se m'arde o candieiro.
Falula.
Diz Nabucodonosor
No sideraque e miseraque
Aquelle que dá gran traque
Atravesse-o no salvanor.
E diz mais, quem muito pede,
Mana minha, muito fede.
Sete mil custou a pipa;
Se quereis fartar a tripa,
Pagae, que a vinte se mede.
Maria Parda.
Raivou tanto sideraque
E tanta zarzagania.
Vou-me a morrer de sequia
Em cima d'hum almadraque.
E ante de meu finamento,
Ordeno meu testamento
Desta maneira seguinte,
Na triste era de vinte
E dous desde o nacimento.
Testamento.
A minha alma encommendo
A Noé e a outrem não,
E meu corpo enterrarão
Onde estão sempre bebendo.
Leixo por minha herdeira
E tambem testamenteira,
Lianor Mendes d'Arruda,
Que vendeo como sesuda,
Por beber, at'á peneira.
Item mais mando levar
Por tochas cepas de vinha,
E hUa borracha minha
Com que me hajão d'encensar,
Porque teve malvasia.
Encensem-me assi vazia,
Pois tambem eu assi vou;
E a sêde que me matou,
Venha pola cleresia.
Levar-me-hão em hum andor
De dia, ás horas certas
Que estão as portas abertas
Das tavernas per hu for.
E irei, pois mais não pude,
N'hum quarto por ataude,
Que não tivesse agua pé
O sovenite a Noé
Cantem sempre a meude.
Diante irão mui sem pejo
Trinta e seis odres vazios,
Que despejei nestes frios,
Sem nunca matar desejo.
Não digão missas rezadas,
Todas sejão bem cantadas
Em Framengo e Allemão,
Porque estes me levarão
Ás vnhas mais carregadas.
Item dirão per dó meu
Quatro ou cinco ou dez trintairos,
Cantados per taes vigairos,
Que não bebão menos qu'eu.
Sejão destes tres d'Almada,
E cinco daqui da Sé,
Que são filhos de Noé,
A que som encommendada.
Venha todo o sacerdote
A este meu enterramento,
Que tiver tão bom alento,
Como eu tive ca de cote.
Os de Abrantes e Punhete,
D'Arruda e d'Alcouchete,
D'Alhos-Vedros e Barreiro,
Me venhão ca sem dinheiro
Atá cento e vinte e sete.
Item mando vestir logo
O frade allemão vermelho
Daquelle meu manto velho
Que tem buracos de fogo.
Item mais, mais mando dar
A quem se bem embebedar ,
No dia em que eu morrer,
Quanto movel hi houver
E quanta raiz se achar.
Item mando agasalhar,
Das orphans estas nó mans
As que por beber dos paes
Ficão proves por casar.
Ás quaes darão por maridos
Barqueiros bem recozidos
Em vinhos de mui bôs cheiros;
Ou busquem taes escudeiros,
Que bebão coma perdidos.
Item mais me cumprirão
As seguintes romarias,
Com muitas ave-marias,
E não curem de Monção.
Vão por mim a Sancta Orada
D'Atouguia e d'Abrigada,
E a Curageira sancta,
Que me derão na garganta
Saude a peste passada.
Item mais me prometti
Nua á pedra da estrema,
Quando eu tive a postema
No beiço de baixo aqui.
E porque gran gloria senta,
Lancem-me muita agua benta
Nas vinhas de Caparica,
Onde meu desejo fica
E se vai a ferramenta.
Item me levarão mais
Hum gran cirio pascoal
Ao glorioso Seixal,
Senhor dos outros Seixaes;
Sete missas me dirão
E os caliz encherão,
Não me digão missa sêcca;
Porque a dor da enchaqueca
Me fez esta devação.
Item mais mando fazer
Hum espaçoso esprital,
Que quem vier de Madrigal
Tenha onde se acolher.
E do termo d'Alcobaça
Quem vier dem-lhe em que jaça:
E dos termos de Leirea
Dem-lhe pão, vinho e candea,
E cama, tudo de graça.
Os d'Obidos e Santarem,
Se aqui pedirem pousada,
Dem-lhes de tanta pancada
Como de maos vinhos tem.
Homem d'Entre Douro e Minho
Não lhe darão pão nem vinho;
E quem de riba d'Avia for
Fazê-lhe por meu amor
Como se fosse vizinho.
Assi que por me salvar
Fiz este meu testamento,
Com mais siso e entendimento
Que nunca me sei estar.
Chorae todos meu perigo,
Não levo o vinho que digo,
Qu'eu chamava das estrellas,
Agora m'irei par'ellas
Com grande sêde comigo.
Amigos, vamos chorar
E com vigor protestar
contra esta nova cota
de zero - a taxa alcoólica!
Estes novos governantes
não se lembram que já dantes
este vinho que bebemos
fará comer, pelo menos
um milhão de portugueses...!?
Mas a maior desventura
que nos traz mais amargura
é o preço do bom tinto
- e corrijam-me se minto -
nos custa coiro e cabelo...
e barata,
só zurrapa,
dessa que é puro veneno!!!...
E a desgraça mais rara
que custa os olhos da cara
é ver, que em vez das tabernas
onde se bebia bom tinto
prantam em todas as bermas
duma estrada ou avenida
uns bares, umas "boites pimbas"
onde se bebem mistelas
que nos trazem só mazelas...
Na vinte e quatro de Julho
aquilo parece um entrudo...
Aquilo é só chinfrineira...
A bebida é estrangeira...
e com drogas à mistura...
Depois andam à porrada
por dá cá aquela palha...
Vêm os chuis: há pancada!
Todos berram: Ó da Guarda!!!
e fica uma festa armada!!!
"já í stá o balho armado"!!!
... ... ...
Oh Rua de San Gião,
Assi ‘stás da sorte mesma
Como altares de quaresma
E as malvas no verão.
Quem levou teus trinta ramos
E o meu mana bebamos,
Isto a cada bocadinho?
Ó vinho mano, meu vinho,
Que ma ora te gastamos.
O’ travéssa zanguizarra
De Mata-porcos escura,
Como estás de ma ventura,
Sem ramos de barra a barra.
Porque tens já tantos dias
As tuas pipas vazias,
Os toneis postos em pé?
Ou te tornaste Guiné
Ou o barco das enguias.
Triste quem não cega em ver
Nas carnicerias velhas
Muitas sardinhas nas grelhas ;
Mas o demo já de beber.
E agora que estão erguidas
As coitadas doloridas
Das pipas limpas da borra;
Achegou-lhe a paz com porra
De crecerem as medidas.
O’ Rua da Ferraria,
Onde as portas erão mayas,
Como estás cheia de guaias,
Com tanta louça vazia!
Já m’a mim accoteo
Na manhan-que Deos naceo,
A’ hora do nacimento,
Beber alli hum de cento,
Que nunca mais pareceo.
Rua de Cata-que-farás,
Que farei e que farás!
Quando vos vi taes, chorei,
E tornei-me por detras.
Que foi do vosso bom vinho,
E tanto ramo de pinho,
Laranja, papel e cana,
Onde bebemos Joanna
E eu cento e hum cinguinho.
O’ tavernas da Ribeira,
Não vos verá a vós ninguem
Mosquitos, o verão que vem,
Porque sereis areeira.
Triste que sera de mi!
Que ma ora vos eu vi!
Que ma ora me vós Vistes!
Que ma ora me paristes,
Mãe da filha do ruim!
Quem vio nunca toda Alfama
Com quatro ramos cagados,
Os tornos todos quebrados!
O’ bicos de minha mama!
Bem alli ó Sancto Esprito
Ia eu sempre dar no fito
N'hum vinho claro rosete.
Oh meu bem doce palhete,
Quem pudera dar hum grito!
O' triste Rua dos Fornos,
Que foi da vossa verdura!
Agora rua d'amargura
Vos fez a paixão dos tornos.
Quando eu, rua, per vós vou,
Todolos traques que dou
São suspiros de saudade;
Pera vós ventosidade
Naci toda como estou.
Fui-me ó Poço do chão,
Fui-me á praça dos canos;
Carpi-vos, manas e manos,
Que a dezaseis o dão.
O' velhas amarguradas,
Que antre três sete canadas
Sohiamos de beber,
Agora, tristes! remoer
Sete raivas apertadas.
Ó rua da Mouraria,
Quem vos fez matar a sêde
Pela lei de Mafamede
Com a triste d'agua fria?
O' bebedores irmãos,
Que nos presta ser christãos,
Pois nos Deus tirou o vinho?
O' anno triste cainho,
Porque nos fazes pagãos?
Os braços trago cansados
De carpir estas queixadas,
As orelhas engelhadas
De me ouvir tantos brados.
Quero-m'ir ás taverneiras,
Taverneiros, medideiras
Que me dem hua canada,
Sôbre meu rosto fiada,
A pagar lá polas eiras.
Pede fiado á Biscaïnha.
0’ Senhora , Biscaïnha,
Fiae-me canada e meia,
Ou me dae hua candeia,
Que se vai esta alma minha.
Acudi-me dolorida,
Que trago a madre cahida,
E çarra-se-me o gorgomilo:
Emquanto posso engoli-lo,
Soocorei-me minha vida.
Biscaïnha.
Não dou eu vinho fiado,
Ide vós embora, amiga.
Quereis ora que vos diga?
Não tendes isso aviado.
Dizem lá que não he tempo
De pousar o cu ao vento.
Sangrade-vos, Maria Parda;
Agora tem vez a Guarda
E a raia no avento.
A João Cavalleiro, Castilhano.
Devoto João Cavalleiro,
Que pareceis Isaïas,
Dae-me de beber tres dias,
E far-vos-hei meu herdeiro.
Não tenho filhas nem filhos,
Senão canadas e quartilhos;
Tenho enxoval de guarda,
Se herdardes Maria Parda,
Sereis fóra d'empecilhos.
João Cavalleiro.
Amiga, dicen por villa
Un ejemplo de Pelayo,
Que una cosa piensa el bayo
Y otra quien lo ensilla.
Pagad, si quereis beber;
Porque debeis de saber
Que quien su yegua mal pea,
Aunque nunca mas la vea,
Él se la quiso perder.
Vai-se a Branca Leda.
Branca mana, que fazedes?
Meu amor, Deos vos ajude ;
Que estou no ataude,
Se me vós não accorredes.
Fiade-me ora tres meias,
Que ando por casas alheias
Com esta sêde tão viva,
Que ja não acho cativa
Gota de sangue nas veias.
Branca Leda
0lhade, mulher de bem,
Dizem qu'em tempo de figos
Não ha hi nenhuns amigos,
Nem os busque então ninguém,
E diz o exemplo dioso,
Que bem passa de guloso
O que come o que não tem.
Muita agua ha em Boratem
E no poço do tinhoso.
Vai-se a João do Lumiar.
Senhor João do Lumiar,
Lume da minha cegueira,
Esta era a verde pereira
Em que vos eu via estar.
Fiae-me hum gentar de vinho,
E pagar-vos-hei em linho,
Que ja minha lan não presta:
Tenho mandada hua besta
Por elle a antre Douro e Minho.
João do Lumiar.
Exemplo de mulher honrada,
Que nos ninhos d'ora a hum anno
Não ha passaros oganno.
I-vos, que sois aviada.
Emquanto isto assi dura,
Matae coan agua a seccura,
Ou ide a outremm enganar,
Que eu não me hei-de fiar
De mula com matadura.
Indo para casa de Martim Alho, vai dizendo:
Amara aqui hei d'estalar
Nesta manta emburilhada:
Oh Maria Parda coitada,
Que não tens ja que mijar!
Eu não sei que mal foi este,
Peor sem vezes que a peste,
Que quando era o trão e o tramo,
Andava eu de ramo em ramo
Não quero deste, mas deste.
Diz a Martim Alho.
Martim Alho, amigo meu,
Martim Alho meu amigo,
Tão secco trago o embigo
Como nariz de Judeu.
De sêde não sei que faça;
Ou fiado ou de graça,
Mano, soccorrede-me ora,
Que trago ja os olhos fóra
Como rala da negaça.
Martim Alho.
Diz hum verso acostumado:
Quem quer fogo busque a lenha;
E mais seu dono d'acenha
Appella de dar fiado.
Vós quereis, dona, folgar,
E mandais-ane a mim fiar?
Pois diz outro exemplo antigo,
Quem quizer comer comigo
Traga em que se assentar.
Vai-se á Falula.
Amor meu, mana Falula,
Minha gloria e meu deleite,
Emprestae-mne do azeite,
Que se me sécca a matula.
Até que haja dinheiro,
Fiae, que pouco requeiro,
Duas canadas bem puras,
Por não ficar ás escuras.
Que se m'arde o candieiro.
Falula.
Diz Nabucodonosor
No sideraque e miseraque
Aquelle que dá gran traque
Atravesse-o no salvanor.
E diz mais, quem muito pede,
Mana minha, muito fede.
Sete mil custou a pipa;
Se quereis fartar a tripa,
Pagae, que a vinte se mede.
Maria Parda.
Raivou tanto sideraque
E tanta zarzagania.
Vou-me a morrer de sequia
Em cima d'hum almadraque.
E ante de meu finamento,
Ordeno meu testamento
Desta maneira seguinte,
Na triste era de vinte
E dous desde o nacimento.
Testamento.
A minha alma encommendo
A Noé e a outrem não,
E meu corpo enterrarão
Onde estão sempre bebendo.
Leixo por minha herdeira
E tambem testamenteira,
Lianor Mendes d'Arruda,
Que vendeo como sesuda,
Por beber, at'á peneira.
Item mais mando levar
Por tochas cepas de vinha,
E hUa borracha minha
Com que me hajão d'encensar,
Porque teve malvasia.
Encensem-me assi vazia,
Pois tambem eu assi vou;
E a sêde que me matou,
Venha pola cleresia.
Levar-me-hão em hum andor
De dia, ás horas certas
Que estão as portas abertas
Das tavernas per hu for.
E irei, pois mais não pude,
N'hum quarto por ataude,
Que não tivesse agua pé
O sovenite a Noé
Cantem sempre a meude.
Diante irão mui sem pejo
Trinta e seis odres vazios,
Que despejei nestes frios,
Sem nunca matar desejo.
Não digão missas rezadas,
Todas sejão bem cantadas
Em Framengo e Allemão,
Porque estes me levarão
Ás vnhas mais carregadas.
Item dirão per dó meu
Quatro ou cinco ou dez trintairos,
Cantados per taes vigairos,
Que não bebão menos qu'eu.
Sejão destes tres d'Almada,
E cinco daqui da Sé,
Que são filhos de Noé,
A que som encommendada.
Venha todo o sacerdote
A este meu enterramento,
Que tiver tão bom alento,
Como eu tive ca de cote.
Os de Abrantes e Punhete,
D'Arruda e d'Alcouchete,
D'Alhos-Vedros e Barreiro,
Me venhão ca sem dinheiro
Atá cento e vinte e sete.
Item mando vestir logo
O frade allemão vermelho
Daquelle meu manto velho
Que tem buracos de fogo.
Item mais, mais mando dar
A quem se bem embebedar ,
No dia em que eu morrer,
Quanto movel hi houver
E quanta raiz se achar.
Item mando agasalhar,
Das orphans estas nó mans
As que por beber dos paes
Ficão proves por casar.
Ás quaes darão por maridos
Barqueiros bem recozidos
Em vinhos de mui bôs cheiros;
Ou busquem taes escudeiros,
Que bebão coma perdidos.
Item mais me cumprirão
As seguintes romarias,
Com muitas ave-marias,
E não curem de Monção.
Vão por mim a Sancta Orada
D'Atouguia e d'Abrigada,
E a Curageira sancta,
Que me derão na garganta
Saude a peste passada.
Item mais me prometti
Nua á pedra da estrema,
Quando eu tive a postema
No beiço de baixo aqui.
E porque gran gloria senta,
Lancem-me muita agua benta
Nas vinhas de Caparica,
Onde meu desejo fica
E se vai a ferramenta.
Item me levarão mais
Hum gran cirio pascoal
Ao glorioso Seixal,
Senhor dos outros Seixaes;
Sete missas me dirão
E os caliz encherão,
Não me digão missa sêcca;
Porque a dor da enchaqueca
Me fez esta devação.
Item mais mando fazer
Hum espaçoso esprital,
Que quem vier de Madrigal
Tenha onde se acolher.
E do termo d'Alcobaça
Quem vier dem-lhe em que jaça:
E dos termos de Leirea
Dem-lhe pão, vinho e candea,
E cama, tudo de graça.
Os d'Obidos e Santarem,
Se aqui pedirem pousada,
Dem-lhes de tanta pancada
Como de maos vinhos tem.
Homem d'Entre Douro e Minho
Não lhe darão pão nem vinho;
E quem de riba d'Avia for
Fazê-lhe por meu amor
Como se fosse vizinho.
Assi que por me salvar
Fiz este meu testamento,
Com mais siso e entendimento
Que nunca me sei estar.
Chorae todos meu perigo,
Não levo o vinho que digo,
Qu'eu chamava das estrellas,
Agora m'irei par'ellas
Com grande sêde comigo.
Fonte: http://www.joraga.net/gilvicente/pags/pranto.htm
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